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O avanço do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025 na Câmara dos Deputados reacende uma disputa central sobre saúde pública, direitos reprodutivos e proteção da infância no Brasil. A proposta, relatada pelo deputado Luiz Gastão (PSD-CE), mira diretamente a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que estabelece parâmetros para o aborto legal em meninas vítimas de violência sexual.
No parecer, o relator defende que menores de 16 anos não têm autonomia para decidir e impõe a obrigatoriedade de boletim de ocorrência ou autorização judicial. O argumento, contudo, ignora o impacto do tempo de espera em casos de estupro e submete crianças violentadas a uma dupla violência: a do agressor e a do próprio sistema. A proposta já recebeu aval de duas comissões e agora caminha para o Plenário, após pedido de urgência articulado por parlamentares da ala conservadora.
O ataque à resolução do Conanda não é apenas jurídico. Ele se insere em um embate ideológico que coloca em segundo plano o direito das vítimas e eleva a proteção do feto acima da saúde da criança. O documento dos deputados afirma que “o aborto não constitui direito” e acusa o conselho de dar “poder decisório excessivo” a meninas em situação de violência. A leitura desconsidera tanto a Constituição, que garante a dignidade e o direito à saúde, quanto as normas internacionais às quais o Brasil é signatário.
A resolução em vigor segue protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de práticas já adotadas em diversos países, assegurando que o tempo de gestação não seja obstáculo para a interrupção em casos previstos em lei. Também garante que nenhuma exigência burocrática possa atrasar o atendimento — medida crucial para proteger vidas em situações emergenciais. Desmontar essa normativa significa deixar milhares de vítimas sem amparo imediato.
O quadro epidemiológico expõe a urgência do debate. Dados da Fiocruz mostram que 67% dos estupros registrados entre 2015 e 2019 vitimaram meninas de 10 a 14 anos. Apenas em 2023, mais de 14 mil crianças dessa faixa etária tiveram filhos no Brasil, enquanto pouco mais de 150 tiveram acesso ao aborto legal. A disparidade revela não apenas falhas de acesso, mas um sistema que naturaliza a maternidade forçada de meninas estupradas.
A campanha “Criança Não é Mãe” alerta que a aprovação do PDL representaria grave retrocesso, eliminando o único protocolo nacional que garante fluxo humanizado e seguro para atendimento a vítimas. Entre 2018 e 2023, uma adolescente morreu por semana no Brasil em decorrência de complicações gestacionais. A gravidez precoce, além de risco clínico elevado, está associada à evasão escolar em quase metade dos casos, perpetuando ciclos de pobreza e vulnerabilidade.
Os números da OMS são contundentes: complicações durante a gravidez e o parto são a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos em todo o mundo. Para meninas de 10 a 14, o risco é ainda maior, incluindo eclâmpsia, infecções sistêmicas e mortes evitáveis. Ignorar essa realidade para sustentar uma agenda política significa condenar milhares de vítimas a uma sentença silenciosa.
O avanço do projeto na Câmara não é apenas um debate legislativo. É a escolha entre proteger meninas estupradas ou submetê-las a uma maternidade forçada. É a diferença entre um país que encara seus dados de saúde com seriedade e outro que transforma vítimas em estatística. A votação em Plenário dirá de que lado a Câmara dos Deputados pretende estar.